De como os evangélicos vão ficando cada vez menos humanos e trabalham sem saber para a desevangelização do Brasil.
Satanizaram o Natal. Me parece até surreal quando vou a igrejas, e a sites evangélicos, e não se faz nem uma referência ao Natal sequer, nem se tem um culto de celebração dia 24 ou 25, parte da tradição cristã há tantos séculos. Às vezes não acredito, me belisco, penso, não, esta doença vai passar, mas que nada, se alastra mais e mais. Mesmo os cristãos que contra a corrente mandam seus cartõezinhos, se sentem no dever de nos exortar contra o comercialismo, contra os presentes, no meio de votos tímidos de felicidade e feliz ano novo. Quando encontro um irmão na rua e desavisadamente comprimento com um animado “Feliz Natal!”, eles me olham como se estivesse falando uma heresia, ou com um ar condescendente explicam que já não estão mais neste mundo e que Cristo nasce todo dia….
Tradições religiosas como o Natal tem o papel de reforçar valores sociais comuns. Enquanto no carnaval e no réveillon a tradição é subverter valores, se esbaldar, praticar o impraticável durante o resto do ano – por isto são chamados por Roberto Damatta, antropólogo brasileiro de “ritos de inversão” – na festa do Natal principalmente se trabalha para reforçar os valores positivos. Natal é a festa da família, de comer juntos um peru, de decorar a árvore ou o presépio, de cantar hinos, de se presentear os amigos, os familiares, de dar gorjetas maiores, de pensar nos que estão distantes. Nessa época Holywood lança inúmeros filmes sobre pais e filhos, pais desnaturados com valores errados, que de alguma forma perderam a noção do que é importante, e nessa época se encontram com algo que “os converte” novamente à família. Nessa época até os sem religião ficam com os olhos marejados diante de um presépio bem-feito, ou dos garotos cantando canções natalinas nas janelas do HSBC em Curitiba.
Boicotar as festas cristãs mais importantes como o Natal e a Páscoa é boicotar-se a si mesmo, perder uma boa oportunidade para falar de Cristo, abraçar pessoas, espalhar fraternidade e carinho numa época em que as pessoas se voltam automaticamente umas para as outras. Nossa vida em sociedade é feita de ritos, tradições e heranças simbólicas. Estes crentes anti-natal, dominados por um zelo místico e sem respaldo bíblico querem renegar todas suas tradições culturais, até as mais inofensivas.
Ritos de reforço são tão necessários quanto ritos de inversão. Não é porque nos convertemos que deixamos de ter cultura. Continuamos a ter necessidade de reforçar socialmente o que acreditamos. Ironicamente a falta do Natal, junto com a demonização de certos símbolos cristãos como a cruz, continuou tendo este mesmo fim social. Tornaram-se os “desritos” que reforçam a separação evangélica do mundo. Mas por que se tornaram necessários artifícios sociais como estes se a nossa cultura cristã quando puramente bíblica já nos “marca” automaticamente com uma diferença moral, já nos banha como o hissopo da conversão do caráter que tem não tem paralelo a nenhuma outra experiência humana? A mudança de caráter, a conversão de valores é segundo Jesus (João 17) e deveria continuar sendo a maior marca que torna os cristãos conhecidos não importa a cultura, os ritos que praticam ou deixam de praticar, a frequência ou não na igreja.
Infelizmente o sincretismo moral tomou conta da igreja. Pregamos nos nossos púlpitos do mesmo jeito que se prega nas palestras de autoajuda nos auditórios de hotéis. Você pode, você merece, você tem direito. Estamos debaixo da soberania do eu, da tirania da felicidade egoísta. Se distribuem riquezas, beleza, orgasmos múltiplos, alegrias festivas nos púlpitos, numa superficialidade que nos faz duvidar que Jesus morreu na cruz, mas deve ter acendido aos céus numa almofada cor de rosa.
O Natal vai sim se tornar uma festa cada vez mais pagã. Vai se falar mais em trenós, duendes e renas, neve (mais uma estupidez nossa, europeus dos trópicos) e cada vez menos no nascimento de Jesus, porque nós não vamos estar presentes no cenário cultural geral para salgar nada. Vamos ignorar a importância da história mais recente, supervalorizando uma origem pagã datada de milhares de anos atrás.
Nosso cristianismo vai se tornar apenas uma experiência mística vazia, ao invés de uma realização do fato mais importante da história, o nascimento do Criador em forma de homem. Fato constatado historicamente, documentado materialmente, fisicamente e culturalmente real num dia específico da história humana. Um dia Ele nasceu, não sei se em setembro, novembro ou dezembro, a acuracidade do mês e do dia não importa tanto quanto o evento. Um bebê humano em toda sua fragilidade chorou ao ser parido por uma mãe humana. Mas nele havia o DNA divino. Nele estava contida toda a plenitude da divindade, numa maneira que nossa mente limitada não alcança entender. Ele era Deus, mas não teve por usurpação o ser igual a Deus, mas antes tomou a forma de servo e seguiu até a morte na cruz.
Nascer, viver, morrer e ressuscitar de uma maneira divina, no entanto humana, foi sua mensagem principal. Eu os amo, amo a ponto de me encarnar, de me limitar à sua humanidade, de me tornar criatura, eu o Criador, e assim ensinar-lhes como viver. E assim marcar a história humana com um AC DC. E assim me tornar o autor da maior transformação que a humanidade já sofreu. Esta história que se repete hoje nas nossas vidas mostra que Ele “nasce” dentro de nós quando nos convertemos, teve um início.
Só me resta agora lamentar nossa ignorância. Ignorância religiosa, sociológica, cultural. Desprezamos símbolos importantes numa fase em que deveríamos reforçar-lhes o valor. Iludidos por ensinos enganadores, superficiais, que desconsideram completamente a história, deixamos de relembrar a humanidade do que ela já sabia, mas está esquecendo.
Só me resta lamentar esse evangelicalismo armadilha no qual fomos presos. Não sabemos mais ser cristãos. Tornamo-nos semi-bruxos esotéricos, neo-cristãos-medievais próximos das experiências místicas, mas distantes das verdades históricas profundas. Somos capazes de pregar uma felicidade terrena sem limites, mas incapazes dos sacrifícios morais, incapazes da verdadeira santidade, somos capazes de discriminarmo-nos uns aos outros com base em sutis discrepâncias doutrinárias, no entanto incapazes de amar.
Feliz nada para nós, pobres cristãos sem sal.
Bráulia Ribeiro