Ao olhar para a igreja atual parece que há algo de errado, que de alguma forma ela conseguiu mudar seu propósito e sua natureza, conseguiu desviar-se do que a princípio foi estabelecido pelo próprio Jesus.
A igreja Brasileira nos últimos anos foi invadida por aquilo que denominamos de teologias da anti-missão. Uma dessas teologias é a teologia da prosperidade que levou a igreja evangélica brasileira a uma mudança de paradigma. As igrejas, bem como seus ministérios, suas pregações e suas ações deixaram de servir para serem servidas. Neste processo nossa igreja busca somente satisfazer seus próprios interesses.
Nos últimos anos a igreja deixou de ser agente missionário para se tornar uma instituição mercadológica onde o evangelho é vendido sem escrúpulos, e onde o melhor vendedor é aquele que possui uma mega-igreja ou uma igreja de destaque na sociedade, não por aquilo que faz mas pela aparência que tem. Tenho uma séria preocupação com o modo como a igreja brasileira absorve modelos pré-prontos, tornando-os mais importantes que os princípios teológicos da missão. Quando olhamos atentamente para a igreja brasileira percebemos que ela sofre de uma síndrome que a distancia a cada instante da sua natureza missionária. Nossas igrejas não conseguem desenvolver uma ação prática que possa transformar nossa comunidade.
A respeito da realidade da igreja brasileira, Ariovaldo Ramos a descreve desta forma:
A face mais visível da igreja brasileira e, aparentemente, a que mais cresce, em vez de denunciar a injustiça social e propor e viver uma economia solidária, passou a pregar uma teologia que sustentava a desigualdade, ao afirmar que a riqueza deveria ser o alvo do crente, e que o caminho é a fé atestada pelo nível de contribuição e pela capacidade de arbitrar, por decreto, sobre o que Deus deve fazer. (…)
Em vez de viver, sinalizar e anunciar o reino, passou a caçar os principados e potestades nas regiões celestiais, ora localizando e derrubando os seus potes-ídolos, ora ungindo de alguma forma criativa a cidade, inaugurando o que James Houston chamou de evangelização cósmica. (…)
Outro houve que assumiu a igreja como uma empresa, sonhando também com impérios, e passou a importar modelos de gerenciamento que a organizasse, desenvolvesse excelência ministerial e produzisse crescimento, usando muitas vezes o princípio do “apartheid” As ovelhas foram transformadas em mão-de-obra e os pastores em gerentes de programa. (Ramos, 2005, p. 201-203)
Diante deste quadro tão preocupante que se encontra a igreja brasileira, para que possamos retomar os princípios neo-testamentários acerca da missão é necessário redescobrir na igreja de que forma a missão cristã pode exercer mudanças em nossa geração, buscar à luz de uma pesquisa teológica e bíblica quais são os princípios e valores inerentes à função da igreja cristã em nossa sociedade.
David Bosh ao falar sobre esta natureza da igreja diz:
Na eclesiologia emergente, a igreja é vista como essencialmente missionária. O modelo bíblico que está por trás dessa convicção e que tem sua expressão clássica em Atos 2 (“A igreja peregrina é missionária por sua natureza”), é aquele que encontramos em 1 Pedro 2.9. Aqui a igreja não é a remetente, mas a remetida. Sua missão (o fato de “ser enviada”) não é secundária em relação à sua existência; a igreja existe ao ser enviada e edificar-se visando à sua missão (Barth 1956:725 – estou me baseando aqui no original alemão, e não na tradução inglesa). A eclesiologia, portanto, não constitui uma atividade periférica de uma igreja firmemente estabelecida, [está] queimando fulgurantemente (…). A atividade missionária não é tanto uma ação da igreja, mas é simplesmente a igreja em ação (Bosh, 2002, p. 447).
Através de um estudo aprimorado sobre a identidade da igreja e sua ação missionária quero propor um novo pensamento a cerca de nossa caminhada e uma ação mais efetiva que possa trazer mudanças palpáveis em nossa sociedade, principalmente entre aqueles que necessitam de uma transformação integral, mostrar apontamentos de como podemos reverter essa realidade.
É preciso retomar nossas idéias, parar com tudo e entrar num processo de reavaliação de nossos conceitos e paradigmas. Deixar de lado nossa ansiedade em “evangelizar” o mundo e começar a pensar em missão como um processo de transformação integral na vida daqueles que são atingidos por ela.
Nosso primeiro passo deve consistir em buscar de forma bíblica e teológica os conceitos da missão deixada a nós por Cristo, identificar quais são as verdades bíblicas a respeito deste tema e quais são os modismos que devemos abandonar, pois nossos modismos nos levam a servir muito mais a nós mesmos do que aos que ainda não conhecem o evangelho.
Sem uma visão clara acerca da missão, corremos o risco de nos tornarmos uma simples instituição mercadológica preocupada só com o número de almas ou com as metas numéricas que devemos alcançar.
A igreja deve deixar seus programas gerenciais e voltar-se à vida das pessoas, trazendo um evangelho integral que atenda as necessidades. Precisamos tornar nossas igrejas úteis aos necessitados, nossos cultos acessíveis a todos, sem exceção; assim poderemos vivenciar e demonstrar o amor de Deus pelos povos. Um dos grandes passos para a igreja atual é romper com o evangelho apenas falado e começar a viver um evangelho prático que caminha em direção às pessoas.
Usando Cristo como exemplo, poderemos encontrar os parâmetros necessários para o cumprimento desta missão. Olhar para Cristo nos levará a abandonar nosso orgulho e hipocrisia que gera um muro que nos separa da missão autêntica.
Quando deixarmos de lado nosso próprio eu, daremos espaço para que o Espírito Santo aja através de nós.
A missão começa quando nós experimentamos uma intimidade autêntica com Deus que nos leva a compreender seu amor, sua graça e sua bondade. Mesmo que isso não seja uma atitude fácil, e não é, precisamos caminhar para um processo de busca neo-testamentária, seguindo o exemplo dos cristãos do primeiro século.
De forma prática a busca para responder ao chamado da missão, deve ser um só:
Seja a atitude de vocês a mesma de Cristo Jesus que, embora sendo Deus, não considerou o ser igual a Deus algo que devia apegar-se; mas se esvaziou a si mesmo, vindo a ser servo, tornando-se semelhante aos homens. E sendo encontrado em forma humana, humilhou-se a si mesmo e foi obediente até a morte, e morte de cruz! – Fil. 2:5-8 (NVI).
BIBLIOGRAFIA
BIBLIA SAGRADA NOVA VERSÃO INTERNACIONAL. São Paulo: Sociedade Bíblica Internacional, 2002.
RAMOS, Ariovaldo. “A Ética e a Igreja”. IN: CONGRESSO BRASILEIRO DE EVANGELIZAÇÃO 2. Missão Integral: proclamar o reino de Deus, vivendo o evangelho de Cristo. Viçosa: Ultimato; Belo Horizonte: Visão Mundial, 2004, p.197-205.
BOSH, D. Missão Transformadora: Mudanças de Paradigma na Teologia da Missão. São Leopoldo: Sinodal, 2002.
Paulo Feniman
MIAF – Missão para o Interior da África
www.miaf.org.br